quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Dentro e fora




Não sei por que, mas a infância sempre parece que se repete por toda a vida. Apenas repetições lentas ou rápidas dos acontecimentos passados, certo de mudanças, claro.
Mudanças pobres.
E como a espera de ver o balão sumir no céu enquanto acompanhava rolando seus pés, correndo na rua. Fica então parada como se nenhuma gota de seu sangue percorresse seu corpo. Como se a respiração descansasse, um pouco, apenas talvez para aproximá-la da sensação rico-misteriosa da morte. Morrer talvez seria descansar? Ou, a afirmação da vida? Ou...

Brincar sempre foi um tanto que esquisito. Prazeroso. Prazer, isso sim é estranho. Uma falsa perspectiva da vida, do momento. Do momento que é tão sereno, quieto e grandioso. E o prazer, idiota, quer injetar uma atmosfera falsa. Falsa.
Hoje “brinca” de quebrar o falso. Sozinha olha do olho mágico na porta a rua lá fora – lá, porque a rua é muito distante de si, lá é distante -. De manha quando os fachos cheios de luz ultrapassam as janelas de seu quarto ela se espreguiça com o corpo calado, seu espreguiçar é abrir os olhos curiosos, e fazer esse despertar demorar horas.

Eu me lembro de mamãe, filha acorda, ela dizia. E toda manhã era um delicado soco no meu estomago, ter que ir a aquele lugar que mais parece um presídio, foi convencionado chamar: escola. Enquanto todas as crianças cerelepiavam para lá e para lá,eu só as vezes fazia o mesmo, preferia mesmo acompanhar ao longe apenas observando a riqueza dos seus sons e movimentos – é muito mais divertido ver toda beleza de cores dos outros brincando, a falsidade...finge bem.

Apenas fazer o que queria quase que sempre nada aparentemente. Seu fazer era todo dentro dela. Espiava sempre qualquer movimento, mesmo que fosse um rato a passar correndo pela vala do esgoto – os ratos eram uma de suas piras preferidas, provavelmente por causa da peculiar vontade deles penetrarem em tudo-. Querer é algo grandioso, então sempre queria, claro, o impossível? As nuvens que sempre e sempre ficavam toda cheia delas mesmas, querendo logo explodir água. O passar do vento leve e delicado que roubava um toque de todo seu corpo – ela sempre tocava o vento, sempre-.O beijar dos beija-flores beijando as flores… O querer pede tocar, ter; ainda que seja com os olhos.
Escrevo mal-quebrado sobre essa moça, alguma coisa tenta me dizer que tudo isso é pra nada, outra, que isso vai me fazer descobrir, crescer algo. É um tanto confuso entendê-la parece só fazer estar mais longe das pessoas e do mundo, simultaneamente querendo tocar, tocar com o olhar distante e penetrante.

Morar sozinha é difícil, eu sei. Mas prefiro pagar o preço simplesmente para me ter, ter a mim mesma é a maior de minhas poucas posses. Possuir o outro o tocando sem tocá-lo, sem que ele me sinta, é a outra. Tão mais distante querer, é mais próximo estar, tão mais distante observar é de fato colado ficar. Minha vida bem que parece ummm... Sei não o que. Nunca vi nada parecido, apesar de eu me sentir semelhante a qualquer outra pessoa. Qualquer.

Eu tenho dificuldade de olhá-la a distancia, come-me querendo que eu seja um pouco ela, acredito que já sou ou sempre fui, ou ela que é de mim.
Um dia à noite enquanto os gatos miavam na rua e tudo o mais parecia paralisia do tempo. Acordou com um abrupto toque de um galho de árvore que se soltara vindo direto cair na sua cama, espatifando e criando mil estilhaços de vidro da janela no chão de seu quarto. Ocorria-lhe uma sensação jamais sentida. Nas veias, nas mais expostas veias seu sangue parecia tão quente e corrosivo a lhe queimar a pele. Sua cara – ou deveria dizer rosto ou face – forçava seus músculos criando um Que de horror, de medo por desconhecer, de medo. Como se aquilo fosse um aviso de que sua vida queria algo, que pedia um algo – ainda não sabia o quê, mas pedia -. Assustada se levanta da cama em um salto desequilibrado e inseguro. Corre inconscientemente inconscientemente mente ente... Desce os quatro lances de escadas como facas afiadas escorregando na pia, encontra a porta. Com pressa perdendo todo medo de abri-la e topar de frente com alguém, ou com ela mesma... Abre.
...silencio. Sua respiração ao fundo de si mesma e nada mais. A rua ali, deserta e repleta do Qualquer, de um vazio que preenchia todo espaço. Derepente sente um algo nas costas, um toque. Arrepia a espinha em cada vértebra, vira o rosto lentamente – quem sabe para poder provar um pouco mais do frio congelante no corpo – seu olho busca, esticando-se ao máximo pro lado de seu rosto, uma camada de carne ainda irreconhecível – seu grande medo de tocar, que não com os olhos, já parece querer te destruir -. Quase ao tocar com os olhos aquilo ou aquele. Pronto. Seus lábios são comidos, por uma boca.

É tão estranho nunca quis tocar, agora assim assim tãooo inesperadamente , meio que revelando a vida, no que para mim sempre parecia a morte...Num beijo.
Suculento e insassiante beijo. Num profundo enfiar do outro dentro de mim, por dentro de mim. Quero morrer se sair daqui, se perder esse tocar que parece me cobrir por todo corpo. Os olhos me eram tão único-possível-aceitável toque. Verdade.
Acho que a força era tamanha, tamanha a força dessa vida nascida ali. Que arrombou dilacerando o qualquer possível. A vida. Será que ela suportaria? Será que conseguiria nascer assim?
Lábios grudados, e eu não quero mais nada, nada! Quero toda carne e todo toque. Toda. Sempre. Fiquei tão cega, cega. Minha luz agora parece tanta que não suporto mais. Não sei quem provoca, quem esta assim me tomando como seu eu fosse água no deserto, que esta assim me fazendo pessoa no poço num deserto, pessoa que mata a sede que mata o que mata.

Com certeza o instante que se passara ali era maior que toda sua vida, e sem razão possível. Parecia um momento passado. Na infância uma vez sua mãe a levara a um parque que a pouco tinha chegado à cidade. Logo quando chegou, Berenice –assim se chama minha amada, não disse antes o nome por que nomes não são importantes- se encantou, seus olhos brilharam lágrimas – explosão, chuva- caindo no seu rosto, e um grito irreprimível e agudo rasgou de sua boca – como que querendo tocar aquela linda imagem-. Erra o carrossel o único brinquedo que te quebrava toda, que chamava pra pirar, pra brincar.
Mamãe, mamãe! Quero ir lá, quero ir lá, me deixe subir no cavalo! Rodopiar sobre ele. Vá menina, mas cuidado, disse a mãe. Correndo ele pulou no cavalo,um salto desequilibrado. Rodou, rodou, rodou... tonta, não sentido quase a si mesma apenas sentia-se sobre o cavalo naquele gira-gira. Naquele nunca-sentido antes. Perdeu a força que sustentava sua respiração. Pronto. Seu corpo desgrudou-grutento da única coisa que era sentida. jogada , caiu. No chão com os lábios entreabertos soltou um líquido gosmento e vermelho, sua saliva e seu sangue.

Ali, agora na rua eliminando seu contato com o mundo. Os olhos fechados. Lançada ao seu medo, o toque. Após instantes tensos, transpirando todas as sombras e cores do corpo, da alma. Sufocada, aahh, ahhf. Pronto. O os olhos abriram, e tudo girava – tonta, provavelmente, pelo fôlego , pela vida nascida lá, lá – eram manchas, as cores corriam como se estivesse dentro do seus olhos . Estava tonta. Talvez se esvaindo o último suspiro, fôlego de vida. Sai um ar quente de sua boca, como que borboletas saindo do casulo em extenso-quente verão. Explodindo. Brota sangue e saliva da sua boca. Gosma, vida.
Cai ao chão, um forte soco, queda, estrondo, trovões que cantam, chuva caindo – explodem as nuvens, chuva! – sua boca levemente com seus lábios abertos, joga pra fora , fogo que queima, palavras – eu estou sufocado, quero fim. – diz: toca agora, enfim, agora, ahhf ahhf, o dentro e o fora de mim. O dentro e o fora de mim.

4 comentários:

  1. Parceiro, passei para conhecer o seu blog.
    Salve!
    Bom final de semana!
    Beijos*

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  2. Adorei o texto.
    de uma sensibilidade invejável!
    Parabéns!


    beijos, macabeu!

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  3. Caio. Falemos da unica coisa que importa : o texto.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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